É isso mesmo que você leu. O Estado de São Paulo está aproveitando as mortes da Covid-19 para tentar aumentar os ganhos com ITCMD – o imposto sobre herança e doações.
Melhor explicando: A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo passou a tramitar o Projeto de Lei 250/2020, com o intuito de aumentar até o dobro a alíquota do ITCMD e, também, de mudar a base de cálculo do imposto para o valor que o Estado acha correto.
O projeto está avançando e já está na Comissão de Constituição e Justiça (para acompanhar a tramitação, acesse aqui) Vamos entender os impactos da proposta e o que é possível fazer para se precaver em relação às mudanças.
- Como funciona o ITCMD hoje:
Começando pelo começo: a Constituição Federal permitiu que os Estados e o Distrito Federal estabeleçam imposto sobre herança e doação (art. 155) e determinou ao Senado a obrigação de fixar a alíquota máxima para esse imposto. Assim, em 1992 o Senado expediu a Resolução nº 9, limitando o valor do ITCMD a 8%, sem dar parâmetro mínimo.
O nosso Código Tributário Nacional, por sua vez, determina que o valor sobre o qual incide esse imposto (o que chamamos de base de cálculo) é o valor venal dos bens (aquele que é usado para cálculo do IPTU) – conforme artigo 38.
Valendo-se de permissão da Constituição, o Estado de São Paulo publicou a Lei. nº 10.705/2000, que foi a última lei que falou sobre a criação do ITCMD em nosso Estado. Essa lei previu algumas situações de isenção e determinou que a alíquota de imposto seria de 4%, tanto para herança quanto para doação. Além disso, previu que a alíquota incide sobre o valor venal dos bens (como determina o Código Tributário Nacional) para o caso de imóveis e, no caso de cotas ou ações de empresas, sobre o valor do patrimônio conforme balanço.
O Estado ainda previu uma faixa de isenção para doações, quando elas não ultrapassarem R$ 2.500 UFESPs (Unidade Fiscal do Estado de São Paulo). A Ufesp é, basicamente, uma unidade de medida com valor variável, que é determinado pelo Estado todo início de ano. Em 2020 o valor dela é de R$ 27,61, de modo que estão isentas as doações até R$ 69.025,00.
Até aí, tudo dentro da normalidade.
Agora vamos entender o que o projeto de lei em tramitação está querendo alterar.
- O que o Estado quer mudar:
Primeiro, nosso legislativo estadual quer criar uma alíquota progressiva que vai de 0% para valores “pequenos”, depois varia de 4% a 8%. Ou seja, o Estado está dobrando o valor da alíquota. Até aí, ele está autorizado pela Constituição.
Porém, essa tabela é aplicada progressivamente considerando o valor da UFESP (Unidade Fiscal do Estado de São Paulo). Relembrando, a UFESP é uma unidade de medida com variável, que é determinado pelo Estado todo início de ano. Em outras palavras: o imposto aumenta todo ano com a atualização da UFESP.
Para resumir, o que o projeto de lei diz que o imposto será calculado da seguinte maneira:
a) 0% quando a herança for menor ou igual a 10.000 UFESPs ou, no caso de doação, for igual ou menor que 2.500 UFESPs;
b) 4% sobre a parcela que exceder 10.000 UFESPs e for igual ou menor que 30.000 UFESPs na hipótese herança, ou superior a 2.500 UFESP se igual ou inferior a 15.000 UFESPs na doação;
c) 5% sobre o que exceder 30.000 UFESPs e for igual ou inferior a 50.000 UFESPs na herança, ou superior a 15.000 UFESP se igual ou inferior a 50.000 UFESPs na doação;
d) 6% sobre o que exceder 50.000 UFESPs e for igual ou inferior a 70.000 UFESPs seja na herança ou doação;
e) 7% sobre o que exceder 70.000 UFESPs e for igual ou inferior a 90.000UFESPs seja na herança ou doação;
f) 8% sobre a parcela que exceder 90.000 UFESPs seja na herança ou doação.
Ou seja, não só a alíquota vai dobrar, mas também vai haver “aumento” de imposto todo ano, pois os limites de aplicação das alíquotas são variáveis. Vale mencionar que 1 UFESP hoje equivale a 27,61 e que ano passado era R$ 26,53, o que representa 4,07% de aumento (a título de comparação, a Taxa SELIC hoje é 2,25%).
Mas não é só isso! O governo também quer definir ele mesmo qual será o valor dos bens sobre o qual vai incidir o ITCMD, mas o projeto de lei não prevê parâmetros claros para definir como essa conta será feita, deixando tudo a cargo dele mesmo. Isso é inconstitucional!
Para entender melhor, a proposta de mudança prevê o seguinte:
- Para imóveis, rurais ou urbanos, o valor deverá ser o de mercado, conforme divulgado pelo Secretaria da Fazenda do Estado, que poderá celebrar convênios e termos de cooperação e até mesmo, contratar serviços especializados de empresas para dizer quanto vale cada imóvel!
- Enquanto o Estado não divulgar o valor de mercado dos bens, se o imóvel for rural, o valor será aquele definido pela “Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo ou outro órgão de reconhecida idoneidade”; e se for imóvel urbano, o valor utilizado pela município para o ITBI, ou, na sua falta, o valor do IPTU; mas, caso o valor não corresponda ao de mercado, o Estado poderá abrir processo administrativo para reavaliação.
- Já para participação em empresas, nos casos em que a ação/cota não tiver sido negociado nos últimos 180 dias, a base de cálculo será o valor do patrimônio líquido, apurado em balanço, ajustado pela reavaliação dos ativos e passivos, incluindo-se a atualização dos ativos ao valor de mercado na data do óbito ou doação – de novo, aqui, não se estabelece parâmetro para essa avaliação, deixando a cargo do Estado definir os critérios quando e como bem entender…
Ou seja, o Estado está ignorando completamente a previsão do Código Tributário de que o valor dos imóveis tem que ser o Valor Venal e está querendo ter liberdade de determinar quanto ele acha que vale em cada caso. Isso é ilegal! O contribuinte tem que ter clareza sobre como o cálculo é feito.
- Lucrando com a COVID-19
Mas o problema não é só querer aumentar o ITCMD utilizando parâmetros de legalidade duvidosa. A grande questão é que o Estado de São Paulo quer fazer isso bem no meio de uma pandemia global – a maior desse século e possivelmente a maior dos últimos 100 anos –, quando nosso Estado concentra cerca de 1/4 das mortes do Brasil (hoje são 20.676 dos 88.017 óbitos no país, segundo dados oficiais) e as mortes estavam crescendo cerca de 350 casos por dia até a semana anterior.
Nosso Governo Estadual quer aproveitar as mortes diretamente decorrentes da pandemia – que ainda parece estar longe de acabar – e aquelas que decorrerão da crise econômica que se seguira, para engordar os cofres públicos!
Vale destacar um ponto importante sobre nossa história tributária: muitos governos, como o norte-americano, por exemplo, optaram por tributar fortemente a herança e a renda, mas, ter uma tributação única e baixa sobre as transações comerciais.
Já o estado brasileiro optou por tributar mais fortemente as transações comerciais e a renda, mas, ter uma tributação baixa na transferência patrimonial.
Nos tempos recentes, porém, nosso país vem demonstrando um apetite cada vez mais voraz sobre nossos recursos, aumentando todos os tributos e sufocando o cidadão, sem nos dar o mínimo de contrapartidas dignas.
E agora, o que é pior, ainda quer aproveitar as mortes de uma doença que assola nossa espécie para criar um tremendo aumento de imposto de herança e doação, criando regras de legalidade, no mínimo, duvidosas.
- Como se proteger?
O que é possível fazer para se proteger?
Existem algumas maneiras do contribuinte se resguardar do aumento de impostos. Mas uma regra vale para todos: os procedimentos que vamos explicar precisam estar concluídos antes que a nova lei, caso aprovada, entre em vigor (OBS: se aprovada, ela só pode entrar em vigor no ano seguinte e, se aprovada após dia 01 de outubro, ainda deve respeitar o mínimo de 90 dias para entrar em vigor).
Vamos às formas de prevenção:
- Doação direta dos bens
Uma das formas de escapar dos efeitos da eventual mudança e passar o patrimônio aos herdeiros antes da entrada em vigor da nova lei. Dessa forma, será possível contar com o ITCMD antigo, fixada em 4%.
Se o patrimônio for em bens imóveis, porém, convém avaliar se seria o caso de constituir uma holding, haja vista que o valor do bem mudará.
Isso porque, na doação de pessoa física para pessoa física, hoje, deve-se utilizar o valor venal do imóvel. Vale frisar que o Estado de SP tenta utilizar o valor venal de referência da Prefeitura de São Paulo, mas o Tribunal de Justiça do nosso Estado entendeu que essa utilização é ilegal. Será necessário, porém, impetrar um mandado de segurança para garantir a redução do valor.
Vamos explicar, abaixo, como funciona a doação por meio de uma holding.
- Criação de uma Holding Familiar e doação de cotas
A Holding nada mais é do que uma empresa como qualquer outra. Geralmente, opta-se por uma sociedade limitada.
A ideia é passar o patrimônio para uma empresa, que passará a gerenciá-lo, e, então, doar as cotas da empresa aos herdeiros. Ou seja, o que se estará doando serão as cotas da empresa, não os imóveis diretamente.
Quando se doa as cotas, o imposto é calculado considerando o valor em balanço, não o valor venal do imóvel. Aqui precisamos nos socorrer do que está previsto no Regulamento do Imposto de Renda: ao se colocar um imóvel numa holding, ele pode ser transferido pelo valor que consta no imposto de renda. Assim, o valor que vai ao balanço é o valor de pelo qual o imóvel foi comprado, não o valor venal de hoje, como seria na pessoa física. Isso pode trazer uma boa redução do imposto, pois os 4% serão calculados sobre o valor de compra.
É claro que tudo precisa ser bem avaliado. Ter uma empresa pode trazer uma boa economia de impostos sobre a locação e a venda de imóveis, além do ITCMD, mas, é preciso calcular caso a caso, pois, para alguns, a holding pode trazer aumento do imposto de renda.
Em resumo: existe duas formas ágeis de escapar da nova lei, caso ela venha a ser aprovada, mas o cidadão terá de ser rápido, pois o prazo para estruturação será curto!
Quer saber mais sobre a holding? Acesse aqui.
- Conclusão
Esse é nosso País, esse é o nosso Estado. Só quer tirar, cada vez mais. E vamos aproveitar os mortos para isso. Para aqueles que puderem, se planejem e busquem transferir o patrimônio aos herdeiros antes que a regra entre em vigor, caso venha a ser aprovada. Para os que não puderem, infelizmente, só sobrará o aumento de impostos…
Boa sorte para nós.
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